Veja as possíveis consequências do pacote econômico de Milei

O pacote econômico divulgado pelo governo do presidente Javier Milei, na Argentina, promete gerar impactos significativos e imediatos na maioria da população do país.

De acordo com o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as medidas propostas podem impor um custo elevado à maioria da população argentina, representando uma verdadeira “terapia de choque” que poderia desencadear convulsões sociais. Ele alerta para o risco da abordagem adotada, baseada em um diagnóstico teórico equivocado que trata o déficit fiscal como efeito, não causa.

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“Estão tentando aplicar uma terapia de choque na sociedade argentina, com base em um diagnóstico equivocado do ponto de vista teórico, pois estão tratando o efeito como causa. O déficit fiscal é mais um efeito do processo inflacionário do que sua causa, e a terapia proposta corre o risco de provocar uma recessão severa na economia”, adverte Roncaglia.

Por outro lado, o professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, Mauro Sayar, apresenta uma análise diferente, defendendo a necessidade de medidas rigorosas para combater o déficit público. Ele ressalta que os efeitos negativos podem ser atenuados pelo aumento dos benefícios sociais anunciados pelo governo.

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“Medidas que aparentemente são positivas, rotuladas como populistas e implementadas na Argentina por diversos governos ao longo dos anos, mostraram-se equivocadas. Desejar a implementação de abordagens semelhantes é desejar a continuidade do cenário desfavorável na Argentina. Infelizmente, há momentos em que medidas mais rígidas precisam ser adotadas”, avalia Sayar.

Essas análises discrepantes podem ser atribuídas à identificação do professor Roncaglia com o campo heterodoxo e desenvolvimentista da economia, enquanto Sayar está alinhado com o pensamento liberal. São correntes de pensamento que, muitas vezes, diferem em relação às causas e consequências dos eventos econômicos.

Medidas

O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, sustenta que a raiz de todos os problemas econômicos do país reside no déficit fiscal do Estado, que gasta mais do que consegue arrecadar. Caputo, que ocupou o cargo de secretário de Finanças durante o governo de Maurício Macri (2015-2019), afirmou: “Essa é a razão dos nossos problemas. Por isso, agora, o que vamos fazer é o oposto do que sempre foi feito, resolver esse problema desde a sua origem.”

Para enfrentar o déficit fiscal primário, estimado para ser inferior a 3% do PIB em 2024, o governo anunciou uma série de medidas, incluindo a redução dos subsídios ao transporte e à energia. Além disso, planeja desvalorizar a moeda em 50%, passando de 400 pesos para 800 pesos o valor do dólar oficial. Outras medidas incluem a redução de ministérios de 18 para nove e de secretarias de 106 para 54, o cancelamento de obras públicas já licitadas e não iniciadas, a promessa de não iniciar novos projetos públicos, a taxação da importação e exportação com o fim das licenças para importar, e a decisão de não renovar os contratos dos trabalhadores com menos de 1 ano de serviço no Estado.

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A proposta é que essas ações possam enfrentar a inflação na Argentina, que encerrou novembro com uma taxa de 160%, considerando o acumulado dos últimos 12 meses.

O ministro da Economia reconhece que, inicialmente, as medidas agravarão a situação, mas assegurou que, após o impacto inicial, a economia deverá apresentar melhorias. “Durante alguns meses, estaremos em uma situação pior do que antes, especialmente em termos de inflação”, admitiu. Para atenuar os efeitos negativos dessas medidas, o governo optou por dobrar o valor do benefício assistencial e aumentar o cartão alimentação em 50%.

Prejudica a maioria

O professor Roncaglia argumenta que as medidas tendem a aumentar a inflação, impactando negativamente a maioria da população.

“Essas medidas estão gerando uma pressão inflacionária considerável, o que afeta os salários de forma significativa, cria dificuldades para os exportadores, pois está tributando tanto as exportações quanto as importações e não oferece estímulo ao investimento. Portanto, a combinação desses elementos coloca um fardo pesado sobre as massas populares, incluindo trabalhadores, aposentados e funcionários públicos, no que diz respeito ao custo da estabilização”, afirmou.

Por outro lado, ele sugere que a população mais rica provavelmente não sentirá os mesmos efeitos. “A camada mais privilegiada da população, que possui recursos em dólares no exterior, não será afetada”, acrescentou.

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O economista também expressou dúvidas quanto à certeza de uma recuperação econômica após a implementação da terapia de choque. “Não há absolutamente nenhuma garantia ou segurança, porque não estão abordando a causa do problema, e a causa da inflação é a escassez de dólares”, ponderou.

Roncaglia acredita que as medidas anunciadas enfrentarão desafios para atrair dólares, e a possibilidade de obter recursos adicionais pode depender de novos empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). “A pergunta que fica é: até que ponto o FMI está disposto a emprestar à Argentina? Será suficiente para estabilizar a economia?”, questionou.

Déficit alimenta a inflação

O economista Mauro Sayar, por outro lado, argumenta que a população mais carente já está sendo impactada pela inflação e acredita que a maneira de combatê-la é equilibrar as contas públicas.

“Com o ajuste fiscal, o governo passa a ter mais credibilidade, algo que o governo argentino atualmente não possui. Ninguém está disposto a financiar um governo no qual você adquire um título que, eventualmente, não terá valor devido à corrosão pela inflação”, enfatizou.

Sayar também defende a redução dos subsídios, que, em sua perspectiva, beneficiam uma parcela mais abastada da população, como no caso dos subsídios aos combustíveis. “Não devemos continuar subsidiando artificialmente para manter os preços dos produtos mais baixos. É importante avaliar quais são os verdadeiros custos. Os preços devem refletir os custos dos bens”, explicou.

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As medidas propostas por Milei também receberam elogios do FMI. Segundo Julie Kozarck, diretora de Comunicações do FMI, essas medidas podem contribuir para “estabilizar a economia e estabelecer as bases para um crescimento mais sustentável liderado pelo setor privado”.

Por outro lado, grupos sociais e sindicatos argentinos prometem manifestações contra o pacote de austeridade fiscal. Diante desses protestos, o governo se comprometeu a empregar as Forças Armadas caso as manifestações causem impactos na circulação de pessoas e mercadorias.

Leonardo Grandchamp

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