Lei de Responsabilidade Fiscal ganha destaque com impeachment


Os gráficos do Google Trends, ferramenta que analisa o interesse por termos de pesquisa através do mecanismo de busca, não deixam dúvidas: a primeira batalha do impeachment fez aumentar o interesse pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Comportamento digital à parte, especialistas em contas públicas confirmam: o destaque que a legislação tem recebido, sobretudo por ser usada como argumento para impedimento da presidente da República, Dilma Rousseff, deve impor mais respeito à LRF. Ou, pelo menos, colocar luzes sobre a necessidade do fortalecimento da sua aplicação, que vem sendo minada em todas as esferas públicas.

A procura na internet pelo nome completo da Lei Complementar 101 – promulgada em 5 de maio de 2000 – chegou este mês a níveis que não alcançava desde 2006. Naquela época, ainda eram poucas as notícias online e a consulta ia atrás dos detalhes da legislação, que era recente e inovadora, passando a obrigar municípios, Estados e União a não gastarem mais do que arrecadavam. O interesse agora em abril veio com a votação na Câmara de Deputados, cujo resultado deu início ao processo de impeachment, em que a LRF é um dos argumentos da oposição. Na acusação, a presidente Dilma teria cometido crime de responsabilidade com as chamadas pedaladas fiscais, que iriam contra a LRF.

Nestes 16 anos, a LRF saiu de um estado de absoluta aridez para um território de debates. Houve uma sacudidela grande nos especialistas
Joaquim Francisco, ex-governador e relator da LRF
Ex-governador do Estado, o então deputado pernambucano Joaquim Francisco foi relator da LRF e acredita que, independentemente do curso do processo de impeachment, a lei ganha visibilidade. “Primeiro, ela volta à tona. Fermentou-se a discussão e disso pode surgir uma nova blindagem à LRF”, opina o também ex-ministro. Questionado se a ascensão da lei no discurso político vai naturalmente obrigar gestores e parlamentares a terem mais atenção à LRF, Joaquim Francisco concorda. “A oposição vai ter que ficar mais atenta. Todos os partidos têm prefeitos e governadores, que viram vitrine”, pontua.

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Já o economista Gil Castello Branco defende que o resultado do processo do impeachment vai ser determinante para a relevância da legislação. À frente da associação sem fins lucrativos Contas Abertas, ele também enxerga um efeito em cadeia, mas só no caso da punição do crime que, na opinião dele, a presidente cometeu. “Qualquer que seja a decisão relativa à presidente, vai influenciar a situação da LRF nos Estados e municípios. Na medida em que ocorre uma punição à presidente, outros gestores vão entender que a lei deve ser cumprida. Se ela ficar no cargo, podem se abrir brechas ainda maiores. Esse fato poderá ser pedagógico para recuperar a seriedade da LRF”, alerta.

Para o doutor em direito constitucional e professor da UFPE e da Unicap Gustavo Ferreira Santos, a retomada do debate sobre a LRF é imprescindível, devido à sua relevância para a saúde financeira dos cofres públicos e, consequentemente, do funcionamento das instituições e atendimento à população. “Estamos precisando retomar com urgência a importância da LRF. É um debate necessário, mas independente do processo de impeachment”, defende Santos.

SOCIEDADE – O gancho que puxa o interesse sobre a legislação que rege o caixa dos governos no Brasil também alça a sociedade. “Nestes 16 anos, a LRF saiu de um estado de absoluta aridez para um território de debates. Houve uma sacudidela grande nos especialistas. Nunca vi tanto artigo sobre a lei, sobretudo a respeito do Artigo 36 (que trata das operações financeiras de bancos estatais e está relacionado ao impeachment)”, observa Joaquim Francisco.


Gil Castello Branco reforça que a lei extrapola a discussão política. “No meio acadêmico, nos tribunais, no Ministério Público de Contas, que muita gente nem sabia que existia… a repercussão é grande”, complementa.

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Regras são constantemente desrespeitadas

A LRF foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso. Entre seus principais pontos, estão a imposição de limites para despesas com pessoal; a criação de metas para controlar receitas e despesas; e a proibição de criação de novas despesas continuadas (por mais de dois anos) sem indicação de sua fonte de receita ou sem redução de despesas já existentes.

Gil Castello Branco, do Contas Abertas, não poupa esforços para lembrar que, apesar da sua importância, a LRF vem sendo desrespeitada em todas as esferas de poder. “Há uma desmoralização absoluta. A LRF já vinha sendo rasgada há muito tempo”, critica. Além de citar a operação do governo federal que redundou em um buraco nas contas dos bancos públicos, ele se refere a problemas como a falta de dinheiro nos Estados devido à má gestão de recursos e às omissões dos municípios em suas prestações de contas.

Outro ponto que prova a desatenção às regras é o gasto com pessoal. Na LRF, há limites para essa despesa, com percentuais máximos para esse fim em relação à receita. Na semana passada, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) divulgou relatório sobre as contas municipais, apontando que 126 das 184 prefeituras (68,5%) excederam o limite legal do que podem gastar com seus funcionários, que é de 54% da receita. Os números dizem respeito ao segundo semestre de 2015 e revelam ainda que o desrespeito à lei é crescente: em 2014, a quantidade de prefeituras acima da linha era 115. Em tese, se as falhas não forem corrigidas, os municípios receberão sanções como corte de repasse de verbas federais.

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“Foram se abrindo brechas na lei, especialmente em relação ao endividamento e à receita corrente líquida. Estados e municípios fazem muitas vezes uma ‘maquiagem’ ou até mesmo falsificações na receita corrente líquida”, acusa Castello Branco. jconline

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