Desde a reforma trabalhista no governo Temer, e levando em consideração o cenário recente de mais de 12 milhões de desempregados, é comum ouvir a máxima de que “um emprego ruim, com menos direitos, é melhor do que estar desempregado”. Esse é um argumento maquiavélico, que é a gênese das propostas que alimentam muitas mudanças na legislação trabalhista, e que tem uma racionalidade subliminar.
O primeiro aspecto equivocado desta assertiva é que ela assume que não há alternativa viável que não empregos de mais baixa qualidade, com supressão de direitos conquistados há muito tempo e já incorporados no mercado de trabalho. Ainda que não se diga abertamente, se está supondo que a retomada do emprego depende mais de baratear a contratação de trabalhadores do que gerar dinâmica econômica. Se assume que FGTS, multa rescisória, trabalho aos domingos, INSS patronal, entre outras verbas, são impeditivos de contratação ainda maiores do que a absoluta escassez de demanda que crise econômica nos impõe.
Se cogitarmos que (hipoteticamente!) existe uma resma de robustez neste argumento, ele estaria trazendo consigo uma conta de custo-benefício bastante controversa. Estaria implícito que vale mais a pena penalizar o trabalhador médio, que tem os menores salários, do que buscar uma solução que distribuísse melhor os ônus e bônus envolvidos no processo de recuperação econômica.
Dito de outro modo, se estaria optando abertamente pelo caminho que agrava seriamente a já vexatória distribuição de renda no Brasil. A renda dos empregadores hoje é consideravelmente maior no Brasil. Segundo a PNAD Contínua do 2º trimestre deste ano, a renda média dos empregadores era de R$ 5.785,00; já a renda dos empregados era de R$ 2.178,00 e dos que trabalham por conta própria atingia apenas R$ 1.662,00. Pois a ideia da MP do Emprego Verde e Amarelo, proposta pelo governo de Jair Bolsonaro nesta semana, tira um pouquinho mais destas médias mais baixas e transfere para as médias mais altas.
Também paira sobre a contestável ideia de que estar desempregado é pior do que qualquer condição de trabalho o aspecto temporal. Algumas novas regras trabalhistas propostas nesta MP seriam uma ação de curto prazo. Ou seja, a supressão de direitos e ampliação de deveres sobre o trabalhador médio seria um movimento curto, previsto para contratos de tempo determinado em 24 meses.
Bem, primeiro que arranjos deste tipo geram fortes incentivos a se perpetuarem através de novas medidas depois de passado o prazo previamente acertado. Mas, mesmo que não seja este o caso, acontece que a MP do Emprego Verde e Amarelo traz consigo uma série de mudanças que são permanentes e representam mais pressão sobre o trabalhador como, por exemplo, forte redução na taxa de reajuste de débitos trabalhistas. A questão de curto prazo acaba funcionando apenas como uma base para outras medidas definitivas.
Tudo isto posto, penso que a resposta adequada ao desemprego não pode ser deliberadamente o emprego ruim. A resposta deve ser a retomada da dinâmica econômica que gere empregos alinhados com objetivos de desenvolvimento contemporâneos, o que inclui redução das desigualdades – e não seu agravamento. É evidente que a crise gera custos para todos, inclusive para os trabalhadores. No caso destes, o custo é o próprio desemprego e a instabilidade da renda. Escolher entre empregos ou direitos não é uma escolha à qual os cidadãos devem ser submetidos, pois ela não representa apenas uma estratégia para vencer a crise, mas uma nova estrutura do mercado de trabalho que vai permanecer depois que a crise passar.
A crise econômica, que se manifesta também como uma crise no mercado de trabalho, precisa ser enfrentada com política econômica que se associe com responsabilidade social. Não saber distribuir ônus significa não enfrentar esta responsabilidade.
Ely José de Mattos é economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Fonte: https://coletiva.net/artigos-home/emprego-ruim-nao-e-melhor-que-desemprego,325146.jhtml
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