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A responsabilização das vítimas em esquemas de pirâmide financeira: equívoco e inversão de valores

Recente decisão de um magistrado da Justiça de Santa Catarina causou revolta entre as milhares de vítimas de esquemas fraudulentos que assolam o país. A decisão negou o pedido de indenização de uma vítima de pirâmide financeira, sob o argumento de que sua conduta foi motivada pela busca de “ganhos fáceis”. E o pior, o juiz apontou dolo na conduta da própria vítima. Contudo, essa justificativa carece de uma análise mais profunda sobre a natureza das fraudes financeiras e o papel das vítimas.

É inegável que as promessas de lucros rápidos atraem muitos investidores, mas é crucial reconhecer que esses esquemas são planejados com sofisticação, explorando a vulnerabilidade e a confiança das pessoas. Essas armadilhas manipulam os investidores com falsas promessas de segurança e altos rendimentos. 

Assim, comparar uma vítima de pirâmide financeira a um criminoso, ou sugerir dolo em sua conduta, ignora o caráter prejudicial dessas transações.

As vítimas, em sua maioria, são pessoas comuns, sem conhecimento técnico sobre o mercado financeiro. Elas são seduzidas pela confiança depositada nos promotores de esquemas fraudulentos, que se apresentam como legítimos.

A complexidade dessas fraudes é tão significativa que, muitas vezes, até investidores experientes falham em identificar sinais de alerta antes que seja tarde.

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A pirâmide financeira é, por sua própria natureza, um esquema projetado para iludir e enganar. Os operadores desses esquemas são mestres da manipulação, utilizando estratégias psicológicas complexas e marketing agressivo, muitas vezes respaldados por figuras de autoridade ou influenciadores sociais, o que confere legitimidade às suas operações. Quando essas promessas vêm de pessoas ou instituições aparentemente respeitáveis, a barreira da desconfiança se reduz, tornando absurdo o argumento de que as vítimas agiram com dolo.

Além disso, o avanço tecnológico dessas fraudes evoluíram significativamente. Muitas pirâmides financeiras, agora, mascaram suas operações como investimentos sofisticados, usando termos financeiros complexos ou promessas de retorno ligadas a criptomoedas, marketing digital, ou outros setores em ascensão. Esse novo perfil atrai até mesmo pessoas que buscam proteger suas economias, e não necessariamente “ganhos fáceis”. 

Na verdade, essas vítimas acreditam estar participando de um modelo de negócio inovador e legítimo. Culpar as vítimas por sua intenção de investir ou diversificar suas fontes de renda não apenas desafia a lógica, mas também mina a confiança nos sistemas financeiros e na justiça brasileira.

O papel do sistema judicial deve ser o de proteger essas vítimas, punir os infratores e garantir a reparação adequada pelos danos sofridos. Isso é fundamental para restaurar a confiança nas instituições e promover um ambiente mais seguro e transparente para os investidores. Somente assim será possível alcançar uma justiça plena e eficaz, que não apenas pune os culpados, mas também resgata a dignidade das vítimas.

Portanto, responsabilizar as vítimas de esquemas de pirâmide por sua própria ruína é um erro que desconsidera a natureza enganosa e complexa dessas fraudes. Ao negar indenização sob a alegação de que as vítimas buscavam “ganhos fáceis”, o Judiciário corre o risco de desviar o foco dos verdadeiros culpados: os fraudadores que arquitetam e lucram com essas operações ilícitas. As vítimas, muitas vezes, agiram de boa-fé ao confiar em promessas de rentabilidade, e tratá-las como cúmplices ou negligentes é um equívoco grave da justiça.

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*Mayra Vieira Dias é advogada e sócia do escritório Calazans e Vieira Dias

Ricardo de Freitas

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